Wednesday, March 30, 2011

Julia Lezhneva (Royal Albert Hall)


Recebi mais notícias do pai de Julia Lezhneva, dando-me a conhecer um vídeo em que a cantora interpreta o rondo finale da ópera La Donna del Lago de Rossini em Maio de 2010, no Royal Albert Hall (Londres) aquando da entrega do prémio Lifetime Achievement Award a Dame Kiri Te Kanawa.

A cantora na altura tinha apenas 20 anos (embora a apresentadora refira 21) e faz uma apresentação extraordinária desta ária onde evidencia todas as suas capacidades vocais. Como uma voz destas, acho que Lezhneva vai muito longe quer em repertório de soprano quer de mezzo-soprano.

Nesta interpretação destaco-lhe o excelente registo grave e os pianíssimos.

Não deixem de ver (aqui).

Decisões


Decidi que vou tentar ir ao MET (NY) uma vez por ano...


A ver vamos se consigo!

Tuesday, March 29, 2011

Por falar em Gregory Kunde


(Publicado no Outras Escritas)

Há dias falei aqui de Gregory Kunde aquando do comentário à ópera Anna Bolena do Liceu de Barcelona em que interpretou um excelente Riccardo Percy.

Aqui ficam dois vídeos com várias interpretações do tenor que considero-o um exímio interprete de Bellini, Donizetti e Rossini. Chamo a atenção para primeiro vídeo em que interpreta a ária A tanto duol/Ascolta, o padre da ópera Bianca e Fernando de Bellini. O compositor escreveu a partitura de tenor desta ópera para o famoso Tenor Rubini que interpretava notas agudíssimas. Kunde não só interpreta o Fá sobre-agudo constante da partitura (5:55) como ainda interpola im Mi bemol quase no final (6:12).



Friday, March 25, 2011

Anna Bolena (Gaetano Donizetti) - Teatro del Liceu (Barcelona) 05/03/2011

(Publicado no Outras Escritas)


No passado dia 5 de Março voltei a Barcelona para assistir à última récita da ópera Anna Bolena de Gaetano Donizetti, incluida na actual temporada do Teatro del Liceu. Este teatro incluí na temporada algumas récitas com elencos alternativos a que chama "funciones populares" e em que são disponibilizados bilhetes a preços mais baixos. Isto não quer dizer que a qualidade dos espectáculos seja inferior.

Inicialmente estava previsto que fosse Marilla Devia a interpretar Anna Bolena e foi este facto que me levou a adquirir bilhete para o Liceu e passagem aérea para Barcelona há muitos meses. Por motivos pessoais, Mariella Devia cancelou e foi substituída por Maria Pia Piscitelli.

O elenco desta récita foi o seguinte:

Anna Bolena - Maria Pia Piscitelli
Giovanna Seymour - Sonia Ganassi
Enrico VIII - Simón Orfila
Lord Ricardo Percy - Gregory Kunde
Smenton - Maria Rodríguez-Cusí
Lord Rochefort - Marc Pujol
Sir Hervey - Jon Plazaola

Direcção musical  - Andry Yurkevych
Encenação - Rafael Duran
Coro e Orquestra do Gran Teatre del Liceu


Da encenação e direcção já falei aqui no Outras Escritas, pelo que este meu comentário vai cingir-se apenas às vozes dos cantores principais.

Maria Pia Piscitelli surpreendeu-me pela positiva. A voz é segura e o timbre agradável. Tem um excelente legatto mas a coloratura é um pouco lenta. A voz é bem suportada no registo grave e por esse facto, a cantora optou sempre por não interpolar notas mais agudas, prática usual nas óperas de bel canto (não houve sobre-agudos em nenhumas das árias).
Gostei particularmente da sua interpretação da ária Al dolce guidami que faz parte da última cena da ópera. 
Como actriz, Piscitelli foi bastante razoável.

Sonia Ganassi, como eu esperava, foi uma excelente Giovanna Seymour. A voz é potente, bela e sobretudo, muito emotiva. Gostei particularmente da sua prestação no dueto de Seymour com Bolena em que foi nitidamente superior a Piscitelli, quer em termos vocais quer cénicos. Na ária do 2º acto, a cantora voltou a destacar-se pela segurança vocal e emotividade cénica.

Gregory Kunde excedeu as minhas expectativas. Para além de uma voz de belo timbre e de agilidade considerável, a voz do tenor tem corpo e volume acima daquilo que eu previa. A sua interpretação da ária do 2º acto foi excelente, nomeadamente com a introdução de variações de muito bom gosto na repetição.

Simón Orfila foi repetente no papel de Enrico VIII. Mantenho a apreciação que lhe fiz na primeira récita a que assisti, mas senti que o cantor estava mais à vontade.

Maria Rodríguez-Cusí tem um bom timbre de contralto e fez um Smenton de qualidade. Notei-lhe, no entanto, algumas falhas nas passagens de coloratura.


Globalmente a récita teve uma boa qualidade, destacando-se as vozes de Sonia Ganassi e Gregory Kunde.

Monday, March 21, 2011

Julia Lezhneva - Rossini


(Publicado no Outras Escritas)

Como já referi aqui no Outras Escritas, descobri a voz de Julia Lezhneva num vídeo do YouTube em que a cantora interpreta magistralmente a ária final da ópera Zelmira de Rossini perante o júri do "Grand Prix of the 6th international E.V.Obraztsova competition for opera singers", vindo a vencer a competição (2007).

A cantora tinha na altura apenas 19 anos, mas a qualidade da sua interpretação despertou-me a atenção. Tive a sorte de me "cruzar" com o seu pai nos comentários do YouTube e a partir dessa data, sou alertado sempre que algum de importante se passe não sua, ainda curta carreira.

Hoje é lançado o seu álbum dedicado a Rossini.

Aqui fica o vídeo promocional.

Wednesday, March 16, 2011

Lucia di Lammermoor (Gaetano Donizetti) - Metropolitan Opera (Nova Iorque) 24/02/2010


(Publicado no Outras Escritas)

Lucia di Lammermoor é talvez a ópera mais conhecida de Gaetano Donizetti e um dos pilares do período do bel canto italiano. Esta foi uma das poucas ópera de Donizetti que se manteve sempre nas temporadas líricas um pouco por toda a parte, desde o ano em que estreou (1835 Nápoles).

Até aos anos 50 do século XX, a personagem Lucia era interpretada essencialmente por sopranos ligeiros de coloratura, ou seja, por cantoras com vozes pequenas mas muito ágeis e com um registo agudo brilhante e fácil. A ópera era então considerada pouco dramática e associada apenas aos malabarismos e pirotecnias vocais das cantoras. Foi Maria Callas que iniciou uma nova forma de cantar e representar Lucia no início dos anos 50 do século XX, imprimindo à personagem a carga dramática que lhe está subjacente no libretto de Salvadore Cammarano baseado no romance "A noiva de Lammermoor" de Sir Walter Scott. Em 1959, o soprano Joan Sutherland fez catapultar a sua carreira com uma extraordinária interpretação de Lucia no Covent Garden de Londres. Joan Sutherland é para mim a melhor Lucia de sempre.


Do ponto de vista musical, Lucia di Lammermoor será porventura o expoente máximo do bel canto de Donizetti. Destaca-se, obviamente, a cena de loucura do 3º acto em que Lucia, depois de obrigada a casar com Arturo, resolve num acesso de loucura, assassiná-lo na noite de núpcias. O assassinato ocorre fora de cena, mas de seguida Lucia regressa a palco e interpreta um conjunto de árias de exigência vocal extrema, onde expressa vários estados psíquicos, que vão desde a mais pura insanidade, até à mais suave e bela alucinação.
Como é característico nas óperas de bel canto, é através da voz que se exprimem todas estas formas de estar e sentir. Os estados de maior agitação através de passagens de coloratura e os estados mais serenos através de uma linha melódica aparentemente mais simples, mas que obriga a um domínio absoluto do legatto e da beleza tímbrica.

Actualmente Lucia di Lammermoor é posta em cena com alguma frequência e interpretada sopranos ligeiros de coloratura, líricos-ligeiros e mesmo alguns spintos.

A récita do passado dia 24 de Fevereiro no MET, marcou o regresso de Natalie Dessay como Lucia, numa produção que a cantora tinha já estreado em 2007, na altura com um estrondoso sucesso. Esta produção, com encenação de Mary Zimmerman, tem voltado ao MET regularmente e está disponível em DVD mas com Anna Netrebko (que é incomparavelmente inferior a Dessay neste tipo de repertório).

O elenco foi o seguinte:

Lucia: Natalie Dessay
Edgardo: Joseph Calleja
Lord Enrico Ashton: Ludovic Tézier
Raimondo: Kwangchul Youn
Alisa: Theodora Hanslowe
Arturo: Matthew Plenk

Direcção: Patrick Summers
Encenação: Mary Zimmerman

Coro e Orquestra da Metropolitan Opera


A encenação de Zimmerman, sobejamente conhecida pelo lançamento em DVD, pareceu-me simples e extremamente eficaz. Na cena de loucura foi usada a "tradicional" escadaria que Lucia desce depois de assassinar Arturo, que produz um efeito visual forte e ajuda as cantoras na interpretação (ficou famosa a interpretação de Joan Sutherland que no final da cena se atirava pela escadaria).

Natalie Dessay é sobejamente conhecida como uma Lucia de referência. A voz, ligeira, clara e de timbre agradável adapta-se perfeitamente à partitura de Donizetti e, para além disso, a cantora é uma actriz extraordinária. Este último facto não é propriamente um elogio da minha parte, uma vez que considero  que os movimentos em palco de Dessay, muitas vezes usados em excesso, prejudicam a emissão sonora.
Na noite de 24 de Fevereiro, penso que a cantora não esteve no seu melhor no que às condições vocais diz respeito. Ao contrário do que tenho visto em gravações, pareceu-me ter estado muitas vezes com uma atitude defensiva e, por isso, pouco à vontade. Não quero dizer com isto que a interpretação não tenha sido de um nível superior, de qualquer forma, ficou abaixo das minhas expectativas (tenho como referência a sua Lucia de 2007 que ouvi através da Antena 2).
No primeiro acto, a ária Regnava nel silenzio foi interpretada sem falhas, mas denotei uma certa dificuldade no registo agudo, que poderá ter-se devido ao facto de a voz estar ainda um pouco fria. No dueto com Edgardo houve melhorias significativas, tendo sido este um dos melhores momentos da noite. 
No famoso sexteto que encerra o segundo acto, e que é um dos pontos altos da ópera, Dessay não me impressionou. Isto pode dever-se ao facto de as "Lucias" que tenho como referência, terem vozes maiores que a sua e, por isso, estar habituado a que o sexteto seja em grande parte dominado pela voz de soprano. Houve partes em que deixei de ouvir a cantora e mesmo o sobre-agudo final foi abafado pelas outras vozes.
Finalmente a cena de loucura. Aqui Dessay esteve realmente bem, demonstrando todas as suas capacidades vocais e cénicas. Gostei particularmente da interpretação de Ardon gl' incesi à qual a cantora imprimiu um carga dramática brutal. Executou tal como em 2001 toda a cadência final sem qualquer suporte orquestral (o diálogo com a flauta, foi transformado num extraordinário monólogo vocal). Todos os pontos menos bons de Dessay durante a récita foram compensados em dobro nesta parte da ópera. Curiosamente o público do MET não aplaudiu a cantora nesta altura, talvez porque tenha sido omitido o habitual mi bemol sobre-agudo. Para mim, que até aprecio bastante notas sobre-agudas, Dessay merecia um aplauso de pé. A cena termina com Spargi d'amaro pianto, aria bastante mais agitada que a anterior, esta sim com mi bemol sobre-agudo no final a que se seguiu o merecido aplauso.

A surpresa da noite foi para mim, Joseph Calleja. O tenor, cuja carreira não tenho acompanhado, tem uma voz grande, com bastante corpo e de timbre belo (denoto-lhe apenas algum de vibrato em excesso). Encheu o MET! 
A partitura de Edgardo não está escrita propriamente para um tenor ligeiro, uma vez que quase não existem quase passagens de coloratura. Calleja provou que a sua voz de tenor lírico se adapta perfeitamente a esta personagem mantendo uma prestação uniforme e de nível superior durante toda a récita. Gostaria de destacar as suas prestações soberbas no dueto com Enrico que abre o terceiro acto, que é muitas vezes omitido da ópera, e em toda a cena final também do terceiro acto. Lucia di Lammermoor coloca ao tenor que interpreta Edgardo, o desafio de ter que interpretar uma cena inteira depois da cena de loucura do soprano. Calleja venceu este desafio com distinção e foi, na minha opinião, o melhor cantor da noite.

Ludovic Tézier fez um excelente Enrico, mantendo um timbre poderoso e escuro, mesmo nas passagens mais agudas em que por vezes os barítonos tendem a deixar a voz tornar-se demasiado clara ou brilhante. Gostei da sua prestação na primeira cena do primeiro acto, mas penso que atingiu o auge no duetto com Edgardo que inicia o terceiro acto.

Kwangchul Youn fez também um excelente Raimondo, o papel mais pequeno de entre as quatro personagens principais desta ópera. O baixo, de timbre escuro e potente destacou-se no dueto com Lucia no segundo acto. Durante o sexteto a sua voz foi sempre audível, o que muitas vezes não acontece nestes casos, visto que as vozes mais agudas e vibrantes tendem a sobressair.

O Maestro Patrick Summers fez um excelente trabalho á frente da Orquestra do MET. Gostei particularmente dos tempos utilizados e da interacção da orquestra com Dessay na cena de loucura.

Devo notar que este regresso de Dessay ao MET com Lucia di Lammermoor não tem merecido as melhores críticas. Curiosamente é na parte cénica que Dessay é mais criticada, pelo facto de aparentemente estar mais "preocupada" com as câmaras de cinema (para projecção em HD noutros teatros) do que com o publico do MET. As câmaras são, a meu ver, um factor perturbador para um cantor (e encenador), uma vez que ele tem noção de que a há muitos pormenores na sua face e corpo que não são visíveis no teatro e que são acentuados numa tela cinematográfica.

Fico a aguardar com curiosidade os comentários à transmissão directa em HD que terá lugar na Gulbenkian no próximo Sábado. 

Sunday, March 13, 2011

Lawrence Brownlee

(Publicado no Outras Escritas)

No comentário que fiz à récita da ópera Armida de Rossini no MET de Nova Iorque, elogiei particularmente a voz do tenor ligeiro Lawrence Brownlee. O tenor, especialista em belcanto, tem um timbre belíssimo, uma boa técnica e uns agudos precisos e nada esforçados.

Aqui fica um vídeo do YouTube (coloraturafan) com uma selecção das suas melhores interpretações. Faço notar a inclusão do final do terceto da Armida, ponto alto da récita do MET.


Armida (Gioachino Rossini) - Metropolitan Opera (Nova Iorque) 23/02/2011

(Publicado no Outras Escritas)

A récita da ópera Armida do passado dia 23 de Fevereiro, marcou a minha estreia há muito anunciada e desejada no MET de Nova Iorque, porventura o melhor teatro de ópera do mundo (pelos menos as suas óperas contam sempre com elencos de peso, muitas vezes mais pela popularidade dos cantores do que pelas suas qualidades vocais, mas esse é um assunto que não quero discutir agora).




A ópera Armida foi composta por Rossini segundo libretto de Giovanni Schmidt. A acção decorre em Jerusalém durante as cruzadas e tem como protagonista Armida, princesa de Damasco e feiticeira. Relata o seu plano para enfraquecer os cruzados e conquistar o coração do seu líder, Rinaldo, recorrendo às mais variadas artes de feitiçaria. Rinaldo deixa-se enfeitiçar por Armida, mas no final é chamado à razão e liberta-se, indo-se juntar aos seus companheiros cruzados.

Rossini, talvez num acesso de excentricidade que lhe era característico (ainda bem! Digo eu) escreveu Armida para um elenco composto por um soprano (Armida), seis tenores (Rinaldo, Goffredo, Gernando, Eustazio, Ubaldo e Carlo) e dois baixos (Idraote e Astrarotte).

Uma ópera com seis tenores no elenco não é nada comum, e a maior parte dos teatros consegue apresentar Armida com um conjunto de quatro tenores uma vez que Goffredo, Gernando e Eustazio só estão presentes no primeiro acto e Ubaldo e Carlo no terceiro.

O MET será dos poucos teatros que consegue ter seis tenores no elenco, o que faz com que não haja cantores a interpretar duas personagens (pelo menos na récita a que assisti, nalgumas récitas de 2010 Barry Banks interpretou Gernando e Carlo).

Assim, o elenco do dia 23 de Fevereiro foi o seguinte:

Armida: Renée Fleming
Rinaldo: Lawrence Brownlee
Goffredo: John Osborne
Gernando: Antonino Siragusa
Carlo: Barry Banks
Ubaldo: Kobie van Rensburg
Estazio: Yeghishe Manucharyan
Idraote: Peter Volpe
Astrarotte: David Crawford

Direcção: Riccardo Frizza
Encenação: Mary Zimmerman

Coro, Ballet e Orquestra da Metropolitan Opera


A encenação de Mary Zimmerman foi algo controversa quando a produção estreou em Abril de 2010. Durante toda a ópera é utilizada uma "parede" em forma de concha, que torna o imenso palco do MET, um pouco mais acolhedor. Falo do ponto de vista visual e vocal, uma vez que, eventualmente, este elemento em palco ajuda na projecção vocal. O Amor e a Vingança presentes ao longo de toda a ópera, são introduzidos como personagens (destaco particularmente o Amor que é apresentado como um cupido vestido de vermelho).
Globalmente, gostei da encenação reconhecendo que não é fácil, por exemplo, no segundo acto encenar o palácio dos prazeres, que Armida manda Astradotte (príncipe do inferno) construir como uma ilusão para Rinaldo.

Renée Fleming soprano americano, muitíssimo apreciado no MET, foi Armida em todas as récitas. Aliás, toda a produção foi feita para Fleming e a pedido da própria. 
Do ponto de vista vocal, a cantora assume que não está dentro do repertório onde se sente mais à vontade e que encarnar Armida é para ela um desafio enorme do ponto de vista vocal.
Particularmente gosto da voz de Fleming (esta foi a primeira vez que a ouvi ao vivo). O timbre é bastante escuro e especial. Está no rol de cantores cujo timbre se identifica logo na primeira nota e isso é, para mim, uma característica vocal importante. Outra característica, que considero menos importante, é a de que Fleming é uma excelente actriz e tem, por isso, uma presença em palco muito forte.
Na récita a que assisti, a cantora esteve bem, mas não foi extraordinária. A voz não tem a maleabilidade necessária para interpretar com facilidade as difíceis passagens de coloratura, tão características das óperas de Rossini. Penso até que em certas partes, o andamento foi adaptado à voz da cantora (certamente com alguma boa vontade de Frizza).
Armida, ao contrário da maioria das óperas de Rossini, tem um número de árias reduzido, prevalecendo os duetos e tercetos. Há no entanto, a meio do segundo acto, uma ária dificílima a interpretar pelo soprano (D'amore al dolce impero). É nesta ária que as cantoras costumam demonstrar todas as suas capacidades vocais, evidenciando especialmente a agilidade nas passagens de mais difícil coloratura. Fleming, terá sido das cantoras com o timbre mais escuro que alguma vez ouvir a interpretar D'amore al dolce impero. O timbre foi um ponto em seu favor, porque imprimiu sensualidade à ária e ajudou na interpretação, no entanto a coloratura deixou muito a desejar. Claro que a cantora teve o bom senso de não introduzir variações, tão características das interpretações de Rossini. Devo notar que em alguns vídeos que existem no YouTube, a Fleming desafina nas notas mais agudas, mas que tal não se passou nesta récita.
Os duetos com Rinaldo e a parte final da ópera foram de qualidade bastante superior. Aqui a cantora, talvez por não enfrentar um desafio vocal tão elevado, pode demonstrar todas as suas capacidades de representação.
Globalmente gostei de Fleming, não a considerando obviamente uma "rossiniana" por excelência.

Rinaldo foi interpretado por outro americano, neste caso o tenor Lawrence Brownlee. O cantor tem vindo nos últimos anos a revelar-se como um especialista em Belcanto e apresenta-se regularmente em óperas de Rossini, Bellini e Donizetti. Era sobre ele que recaía a minha maior curiosidade nesta Armida e o cantor não desiludiu. Foi o melhor da noite. As características principais da voz são o timbre, ligeiro e claro, a agilidade e as notas sobre-agudas brilhantes e fácies. Rinaldo é o principal dos seis tenores de Armida e embora não tendo nenhuma ária ao longo de toda a ópera, é chamado a interpretar duetos e tercetos em que tem que liderar do ponto de vista vocal e cénico. É também o tenor cuja partitura está escrita com a tessitura mais alta e o único que intervêm em todos os actos da ópera.
Brownlee, interpretou um Rinaldo perfeito do ponto de vista vocal. Foi soberbo nos duetos com a Fleming e responsável pelo melhor momento de toda a récita que ocorreu durante o terceiro acto no terceto para três tenores. Para os apreciadores de Rossini, este terceto para tenores constituí uma obra prima do compositor, pela originalidade e beleza da partitura e pelo facto de colocar três vozes idênticas a intervir simultaneamente. Bronwlee comandou todo o terceto e ainda interpolou uma série de sobre-agudos perfeitos.
Do ponto de vista cénico, devo dizer que o cantor se fica pelo razoável e que pode melhorar significativamente a sua prestação, no entanto, o seu desempenho vocal fez-me praticamente esquecer este "pormenor", mas devo notar que, quando Fleming interpretava D'amore al dolce impero, Brownlee é atingido por uma seta do cupido e cai no chão ardendo de paixão. Por momentos, fiquei "distraído" com a má representação cénica de Brownlee, o que, me levou a não prestar atenção à voz de Fleming. Deve isto querer dizer que, nem Brownlee é bom actor, nem Fleming me cativou vocalmente nesta ária.

John Osborn interpretou a personagem Goffredo cuja intervenção se limita ao primeiro acto da ópera. Apesar deste facto, a partitura não é nada simples e exige uma voz com algum corpo, agilidade quanto baste e se possível um registo agudo seguro e brilhante. John Osborn tem todas estas qualidades. Achei a sua intervenção um pouco nervosa de início, mas foi crescendo ao longo do primeiro acto. Foi brilhante na cabaletta onde interpolou uns sobre-agudos de muito boa qualidade. Para além de todas estas características, o timbre é bastante agradável. 
Divide o segundo lugar com Barry Banks, no que respeita à interpretação dos seis tenores.

Antonino Siragusa é um tenor ligeiro que me desapertava alguma curiosidade, mas que no entanto, me desiludiu como Gernando. Esta personagem também só intervém no primeiro acto, mas tem a seu cargo a que é talvez a mais "rossiniana" de todas as árias de Armida (Non soffrirò l'offesa). Para além de agilidade e um registo agudo brilhante e fácil, a ária exige um domínio absoluto do legatto, uma vez que a voz fica várias vezes totalmente exposta em passagens mais lentas. Ao Siragusa faltou volume e projecção vocal. O legatto não me emocionou.

Ubaldo e Carlo são personagens que intervêm no terceiro acto, primeiro em dueto e depois em terceto com Rinaldo. Nesta récita Ubaldo foi Kobie van Rensburg e Carlo foi Barry Banks. A partitura de Ubaldo e está escrita numa tessitura mais baixa que as de Carlo e Rinaldo, o que faz com que o registo agudo para este tenor não seja tão exigente. No entanto, o legatto e a agilidade são importantes. Kobie van Rensburg não esteve à altura. A sua voz é trémula falta-lhe agilidade e por vezes desafina. Já Barry Banks, foi excelente como Carlo. A voz é bem timbrada, ágil e com um registo agudo brilhante e fácil. Como referi, Banks divide o segundo lugar com Osborn nesta récita, aliás, o tenor em algumas récitas de 2010 interpretou simultaneamente Gernado e Carlo, e parece-me ter sido superior a Siragusa.

O sexto tenor foi Yeghishe Manucharyan e interpretou Eustazio. Esta personagem tem uma presença efémera durante o primeiro acto, que se resume praticamente a recitativo acompanhado. O tenor esteve à altura deste pequeno papel, no entanto, não lhe posso avaliar as qualidades vocais devido à sua pequena intervenção.

Também as personagens de Idraote e Astrarotte têm um papel muito secundário na ópera, resumindo-se as suas intervenções a recitativos. Peter Volpe e David Crawford (baixos) estiveram bem, mas, mais uma vez, é praticamente impossível avaliar as suas qualidades voais. Devo destacar no entanto as capacidades físicas de David Crawford, que no segundo acto se comportou como um verdadeiro bailarino, cantando em situações de equilibrio difícil e sendo elevado no ar sucessivamente por outros bailarinos.

O coro do MET esteve extraordinário. Para além de cantar, os elementos participaram activamente na encenação, confundindo-se muitas vezes com o bailarinos (coro masculino como diabos no 2º acto e como feminino como ninfas nos 2º e 3º actos).

O maestro Riccardo Frizza é um especialista em Belcanto e está muito associado a Juan Diego Flórez. A condução e articulação da orquestra com os cantores foram excelentes embora eu pense que o maestro terá feito algumas cedências no ritmo para ir de encontro às capacidades vocais de Fleming.

Uma última nota apenas para referir que achei o MET muito grande, talvez grande demais para interpretação deste tipo de repertório que exige vozes ligeiras.

Anna Bolena (Gaetano Donizetti) - Teatro del Liceu 18/02/2011

(Publicado no Outras Escritas)

Como noticiei por várias vezes aqui no Outras Escritas, no passado dia 18 de Fevereiro assisti em Barcelona a uma récita da ópera Anna Bolena de Gaetano Donizetti. Esta ópera estreou em Milão no ano de 1830 tendo como protagonista a famosa Giuditta Pasta, e foi a primeira de três ópera que o compositor dedicou às Rainhas Tudor de Inglaterra (seguiram-se Maria Stuarda 1835 e Roberto Devereux (Isabel I) 1837). O libretto é de Felice Romani e retrata a corte de Inglaterra no reinado de Henrique VIII, na altura em que a sua segunda mulher, Anna Bolena (Anne Boleyn), se vê envolvida numa série de intrigas e difamações que levam à sua condenação à morte e ao subsequente casamento do rei com Giovanna Seymour (Jane Seymour).

O elenco da récita no Liceu foi o seguinte:

Anna Bolena - Edita Gruberova
Giovanna Seymour - Elina Garanca
Enrico VIII - Simón Orfila (substituindo Carlo Colombara)
Lord Ricardo Percy - Josep Bros
Smenton - Sonia Prima
Lord Rochefort - Marc Pujol
Sir Hervey - Jon Plazaola

Direcção musical  - Andry Yurkevych
Encenação - Rafael Duran
Coro e Orquestra do Gran Teatre del Liceu

Antes de comentar os aspectos musicais, gostaria de referir que gostei da encenação do catalão Rafael Duran, que, como se vem tornando recorrente nos teatros de ópera europeus, faz uma transposição de cena para um período intemporal, mas mantém a sobriedade que o argumento exige e, muito importante, coloca os cantores em cena de forma correcta, não lhes exigindo malabarismos físicos excessivos nem os colocando em posições cénicas que prejudiquem a projecção vocal (os cantores tem que ser ouvidos pelo público, pelo que, na minha opinião, a encenação não deve prejudicar qualquer aspecto vocal). Uma escadaria dourada domina o palco e une vários patamares onde a acção decorre. A escada será palco de uma das cenas de ópera mais belas a que já assisti, como comentarei à frente.

O papel de Anna Bolena foi interpretado pelo soprano Edita Gruberova. A cantora conta com 64 anos de idade e interpreta actualmente as óperas do período do belcanto que são mais exigentes do ponto de vista vocal. Falo, entre outras, de Anna Bolena, Maria Stuarda,  Roberto Devereux e Lucrezia Borgia de Donizetti e Norma de Bellini. Qualquer umas destas óperas exige às personagens principais qualidades vocais de soprano dramático de coloratura, isto é, uma voz ágil mas com potência, amplitude e força para interpretar cenas longas e exigentes. Para além disso, não nos devemos esquecer que o Belcanto implica ainda que a voz seja bela e limpa, porque muitas vezes o suporte orquestral é diminuto e a voz fica totalmente exposta.
Edita Gruberova tem praticamente todas estas qualidades vocais (exceptua-se alguma falta de potência vocal no registo grave). Como o consegue aos 64 anos não sei, mas penso que a cantora deveria ser considerada como um caso de estudo para muitos dos novos cantores actuais que arruínam as suas vozes precocemente.


Na récita de Anna Bolena a que assisti, a cantora esteve no seu melhor. O público de Barcelona, onde se apresenta regularmente, tem por Gruberova uma dedicação especial e aplaudiu-a assim que apareceu em palco. Gruberova correspondeu e entrou de forma magnífica na primeira ária Come, innocente giovine, evidenciado todas as suas características vocais com uma técnica irrepreensível, uma coloratura soberba e uns pianíssimos que mais ninguém consegue. Depois da cabaletta Non v'ha sguardo, o teatro veio abaixo pela primeira vez com aplausos e gritos de brava. Devo notar, no entanto que o Mi bemol final, embora prolongado afinado e potente, não manteve um vibrato constante. Refiro isto apenas como pormenor, até porque penso que este facto não terá sido notado pela maioria do público presente.
Gruberova manteve um nível superior em toda a récita, mas devo confessar que esperava um pouco mais de empolgamento no dueto com Percy e no final do primeiro acto quando um julgamento é imposto por Enrico VIII a Anna Bolena. A frase Giudici... ad Anna for interpretada por Gruberova com uma carga dramática enorme, mas a parte final em que todos os cantores e coro estão em palco não me causou o impacto que eu esperava.
Um dos melhores momentos da récita ocorreu na 3ª cena do 2º acto, isto é, no dueto entre Anna e Giovanna. O dueto é longo mas com poucos momentos em que as duas personagens cantam simultaneamente, no entanto, transmite uma carga dramática enorme e tem uma linha melódica de extrema beleza quer para a voz de soprano quer para a voz de mezzo-soprano. Gruberova e Garanca (de quem falarei adiante) demonstraram uma envolvência fora do comum, e a nível vocal estiveram perfeitas. Gruberova é desafiada a interpretar notas demasiado graves para o seu registo, mas resolve muito bem a situação emitindo um som que embora possa não parecer agradável ao ouvido, aumenta a carga dramática da interpretação. O dueto termina com um Dó sobre-agudo magnificamente interpretado por ambas e que, mais uma vez levou a que o público aplaudisse efusivamente. Os aplausos foram tais, que Gruberova voltou a palco para agradecer (não vi Garanca voltar a palco, mas não tenho a certeza se a cantora o fez ou não, porque o meu lugar era lateral).
O ponto alto da récita foi, sem dúvida, a interpretação de Gruberova da ária Al dolce guidami que faz parte da enorme e difícil cena final da ópera. Gruberova, com 64 anos interpreta a ária deitada, leram bem, deitada na escadaria. A cantora fez-se aqui valer de toda a sua técnica interpretativa e brindou o público com um legatto perfeito, uns crescendos e diminuendos extraordinários, uns trilos quase tão bons como os da Sutherland (desculpem a comparação) e, sobretudo, com uns pianíssimos que parecem não ser deste mundo. Afastando-me um pouco da apreciação mais técnica e isenta que tento fazer nestes comentários, devo confessar que este foi um dos momentos mais emocionantes que já vivi numa casa de ópera e no longo aplauso que se lhe seguiu já não lhe gritei Brava, mas sim Assoluta...
Para terminar a ópera, Gruberova ainda nos brindou com a ária Coppia iniqua, mais uma vez interpretada de forma soberba e concluída com um Mi bemol sobre-agudo, afinado, prolongado, mas com um vibrato um pouco inconstante.




Giovanna Seymour foi interpretada por Elina Garanca. Confesso que ia com uma certa curiosidade  em ouvir a cantora, uma vez que as críticas que lhe são feitas nesta e noutras óperas, são sempre excelentes. Possuo apenas uma gravação em CD onde Garanca interpreta várias árias de belcanto e não acho as interpretações nada extraordinárias, principalmente no registo agudo onde a voz parece perder potência.
Esta minha avaliação tendo como base apenas um registo em CD não poderia estar mais longe da realidade.
Donizetti escreveu a partitura de Giovanna Seymour para mezzo-soprano, mas numa tessitura mais aguda que o usual para este tipo de voz. Interpretar Giovanna não está, por esta razão ao alcance de todos os mezzos, a não ser que tenham um registo agudo bem suportado. Garanca tem todas as qualidades vocais exigidas pela partitura. A voz é limpa e potente, e o timbre é belíssimo. Para além disso, a cantora não demonstrou qualquer esforço durante toda a ópera o que demonstra que possui uma técnica sólida. As qualidades vocais de elevado calibre são complementadas por uma presença física poderosa, uma vez que a cantora tem uma altura considerável e é particularmente bela.
Pontos altos da interpretação, o dueto com Gruberova que já referi atrás e que a cantora termina com o Dó sobre-agudo e a ária do segundo acto Ah! pensate che rivolti que fez realçar todas as suas qualidades vocais e cénicas. O público aplaudiu insistentemente fazendo a cantora voltar a palco para agradecer.
Garanca foi sem dúvida uma excepcional "segunda Rainha" e penso que terá muito sucesso nas suas interpretações de Viena e de Nova Iorque.



Sonia Prina, contralto, interpretou a personagem masculina de Smenton. A sua presença em palco, muito masculina e com irreverência jovial, foi perfeita. A voz tem um timbre interessante e uma qualidade que considero muito importante, não perde a cor escura no registo agudo. O problema de muitas vozes que interpretam papéis de contralto é que se tornam muito brilhantes e perdem a cor escura no registo agudo ficando a parecer mezzos (falo especificamente de contraltos de coloratura, tendo sempre como referencia Ewa Podles). Gostei particularmente das variações que Prina usou na ária do primeiro acto ah! parea che per incanto.



Simón Orfila interpretou Enrico VIII em substituição de Carlo Colombara. Confesso que me senti desapontado, uma vez que Colombara obteve boas críticas nas récitas anteriores e Orfila fará parte do segundo elenco, ou seja, acabarei por assistir a duas récitas com o mesmo baixo.
Já conheço Orfila de récitas anteriores no Liceu e no S. Carlos. A voz é potente e afinada e o timbre é razoável. No entanto, acho-o um pouco trémulo (demasiado para a sua idade) e fraco actor.
Como Enrico VIII, não esteve mal, mas senti-lhe alguma insegurança que talvez se tenha devido ao facto de estrear antes de tempo. Aguardo a récita do dia 5 de Março.



Finalmente Josep Bros. Conheço a voz do tenor catalão das récitas da Lucia e da Borgia no Liceu onde também contracenou com Gruberova. Como já referi aqui no Outras Escritas, reconheço em Bros uma certa dignidade para interpretação de repertório de belcanto, no entanto, não lhe aprecio o timbre demasiado nasal. No papel de Percy o tenor não esteve bem. Pareceu sempre nervoso e a nível cénico, muito fraco e pouco emotivo. Teve, no entanto, a coragem de interpretar a ária do segundo acto Nel veder la tua costanza, que não é nada fácil e é muitas vezes é cortada da ópera. Os agudos saíram-lhe afinados mas demasiadamente trémulos. O tenor foi aplaudido comedidamente pela maioria e vaiado insistentemente por duas ou três pessoas. Pessoalmente sou contra as vaias, se não gosto pura e simplesmente não aplaudo. Neste caso específico, acho que o cantor merece um aplauso comedido mas nunca uma vaia.


O maestro Andry Yurkevych, a Orquestra e o Coro do Liceu estiveram à altura do elenco principal.


Globalmente considero que a récita foi de qualidade elevadíssima, principalmente no que aos papéis femininos diz respeito. Garanca foi muito aplaudida no final e Gruberova foi "obrigada" a regressar a palco inúmeras vezes com uma boa parte do público a manter-se no teatro e a gritar "Edita, Edita". Num dos balcões um grupo de jovens exibiu uma tela enorme com um coração vermelho onde se podia ler "Edita, la regina solo sei tu", demonstrando o apreço que o público jovem de Barcelona tem pela cantora. Quanto a mim, Edita Gruberova foi mesmo a "Regina Assoluta" daquela noite.

Nota 1: o que se passou a seguir contarei noutro "post" com cariz mais pessoal. 
Nota 2: as fotografias dos cantores são de minha autoria.

De volta?

Resolvi reactivar o Belcanto Ópera. Para já com alguns artigos que publiquei no Outras Escritas.